terça-feira, 4 de junho de 2013

Educação Inclusiva - educação de qualidade para todos

Avanços e desafios nas políticas públicas para crianças e adolescentes com necessidades especiais



Introdução
A reflexão a que se presta esse artigo é a de apresentar as condições sociais, legais e humanas empreendidas no binômio: avanços e desafios nas políticas públicas para crianças e adolescentes com necessidades especiais, com o intuito de discutir a realidade da educação escolar no Brasil que vem atender, em meados do século XXI, as necessidades de uma sociedade marcada pela conscientização de sua diversidade cultural, econômica, social, racial, entre outras.  Trata-se, aqui, de identificar o que realmente avançou na construção social brasileira que, ao longo de sua história institucional, forjou valores humanos como o da exclusão a tudo e a todos que são diferentes.
      Nessa perspectiva, organizamos formas diferentes de abordagem desse tema. Com a preocupação de delinearmos e analisarmos o movimento que se dá entre a legislação brasileira que garante o acesso, a permanência e a qualidade de educação a todas as pessoas e a realidade da práxis pedagógica, no interior das instituições, na vivência humana e pedagógica junto às pessoas com necessidades especiais. Entendendo-se, aqui, que tanto o movimento de exclusão, como o de inclusão, é uma característica humana constituída pela sociedade, em um tempo histórico condicionado por valores sociais de cada época.
Censos Escolares na Educação Básica: uma retrospectiva/um avanço
Para quem é a escola? Por anos e anos, apenas crianças e adolescentes que mostravam capacidade intelectual para resolver todas as questões elaboradas pela escola é que conseguiam permanecer nela. Não é incomum, ouvirmos relatos de adultos e idosos contarem que deixaram a escola por não conseguirem compreender o que o professor ensinava.  Não obstante, perguntamos, por que a escola costuma ser tão difícil para quem apresenta alguma deficiência ou dificuldade de aprendizagem? 
O direito à educação é um direito fundamental e não pode ser retirado de nenhuma pessoa, inclusive, daquelas que apresentam qualquer tipo de limitação. Segundo a Constituição Federal (1988, Art. 205), a educação deve ser promovida “visando ao pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para a cidadania”.
Quando as escolas rejeitam esses alunos, muitas vezes, concebidos como inadequados para as turmas existentes, a escola está condenando-o à segregação, à marginalização, à involução do desenvolvimento que poderia ter se fosse aceito com suas limitações, com vistas à superação de suas dificuldades.
O acesso à educação é um dos maiores desafios das crianças com necessidades especiais, mas, também, é o maior legado que um país pode deixar para todas as crianças, sem distinção.
A partir da Constituição Federal (1988, art. 208, IV) outras políticas públicas foram surgindo para contemplar o direito à educação das crianças e adolescentes com necessidades especiais. As leis e decretos a respeito formam uma alavanca para o crescimento do número de matrículas nas escolas de todo o país.
Dados do Censo Escolar de 2003 (MEC/INEP) registraram 500.375 alunos com necessidades especiais[1] matriculados no Brasil. Já, o Censo Escolar 2006, registrou uma evolução nas matrículas, de 337.326 em 1998 para 700.624 em 2006, expressando um crescimento de 107%. No que se refere ao ingresso em classes comuns do ensino regular, verifica-se um crescimento de 640%, passando de 43.923 alunos em 1998, para 325.316 em 2006.
Com relação à distribuição das matrículas por etapa de ensino em 2006: 112.988 (16%) estão na educação infantil, 466.155 (66,5%) no ensino fundamental, 14.150 (2%) no ensino médio, 58.420 (8,3%) na educação de jovens e adultos, e 48.911 (6,3%) na educação profissional. No âmbito da educação infantil, há uma concentração de matrículas nas escolas e classes especiais, com o registro de 89.083 alunos, enquanto apenas 24.005 estão matriculados em turmas comuns. (MEC/SEESP, 2007)
Os resultados de 2008[2] revelam que em 34,3% das escolas brasileiras (68.530 estabelecimentos) estão matriculados 695.696 alunos com deficiência que correspondem a apenas 1,3% da matrícula total da Educação Básica.
Desse total, 319.924 matrículas são ofertadas em 6.702 estabelecimentos, exclusivamente especializados, e em classes especiais de escolas de ensino regular e da educação de jovens e adultos. Outros 375.772 alunos estão matriculados em classes comuns do ensino regular e da Educação de Jovens e Adultos de 61.828 escolas brasileiras. Este último dado mostra que o atendimento caracterizado pela inclusão escolar (o que é oferecido em classes comuns) vem apresentando expressivo crescimento nas escolas brasileiras, uma vez que em 2007, 46,8% das matrículas da educação especial encontrava-se nessas classes e, em 2008, essa participação salta para 54,0 % dos alunos dessa modalidade de ensino. (INEP, 2009)
            O atendimento na Educação Especial oferecido em escolas que possuem classes especiais e em escolas, exclusivamente, especializadas é feito com maior participação das escolas privadas, perfazendo 205.475 (64,2%) das matrículas.
            E ainda, o Censo Escolar 2010[3] aponta que o Brasil tem 51,5 milhões de estudantes matriculados na educação básica pública e privada – creche, pré-escola, ensino fundamental e médio, educação profissional, especial e de jovens e adultos. Dos 51,5 milhões, 43,9 milhões estudam nas redes públicas (85,4%) e 7,5 milhões em escolas particulares (14,6%).
            Com relação à Educação Infantil, esse número tem realmente crescido a partir da Lei 7.853/89 (art. 2º, inciso I, letra “a”) que garante às crianças com deficiência o direito à “educação precoce”, o mais cedo possível, para o favorecimento de seu desenvolvimento e inclusão social, além disso, a recusa de matrícula, em qualquer etapa da educação básica, é prevista como crime. E ainda, às crianças devem ser oferecidos atendimentos especializados[4] quando necessários, preferencialmente, na rede regular de ensino (LDBEN 9394/96, art. 4º, III).
            Já, no Ensino Fundamental, etapa da Educação Básica obrigatória para todas as crianças (LDBEN 9394/96, art. 32, inciso I) não é permitido, de forma alguma, a recusa ou mau atendimento da escola para que a família sinta-se coagida a cancelar a matrícula do aluno. Ainda, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069, 1990, art. 55) “os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”. E mais, segundo o Código Penal (art. 246) é crime “deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar”.
            Lamentavelmente, temos a impressão de que o direito à educação nem sempre alcança muitas das crianças e adolescentes, com deficiência. As autoridades ao saberem que há uma criança em idade escolar sem frequentar o ensino fundamental, logo enviam ao Conselho Tutelar para tomarem providências junto à família. Todavia, quando se sabe que esta criança tem alguma deficiência, principalmente, se for intelectual, então costumam “deixar passar”, subtraindo da mesma seu direito fundamental à educação, tal como lhe é garantido pela Constituição Federal.
            Importante destacar que a Constituição Federal (1988, art. 208, § 2º), o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990, art. 54 § 2º), e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996, art. 5, § 4º) são congruentes em determinar que “o não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente”. 
            Nesse sentido do cumprimento da Lei, no Brasil, em seu Plano Nacional de Educação (2008) no que se refere à política para a educação especial, estabelece que a prioridade deve ser a educação inclusiva, valorizando as diferenças e procurando atender às necessidades educacionais especiais de cada aluno, numa perspectiva inclusiva e de integração. 
            De acordo com o Censo 2010 houve “um aumento de 10% no número de matrículas nessa modalidade de ensino. Em 2009 havia 639.718 matrículas, e, em 2010, 702.603”. (MEC, 2010)
Quanto ao número de alunos incluídos em classes comuns do ensino regular e em EJA, o aumento foi de 25%. Nas classes especiais e nas escolas exclusivas houve diminuição de 14% no número de alunos, evidenciando o êxito da política de inclusão na educação básica brasileira. (MEC, 2010)
            Os dados mostram-nos que, em 2010, houve efetivamente o crescimento das ações inclusivas escolares, pois 75,8% dos alunos foram incluídos nas escolas públicas e 24,2% encontram-se nas escolas privadas, ou seja, na rede regular de ensino, ao invés de estarem matriculados em instituições especializadas, como antes acontecia.
            O movimento mundial, em prol de uma educação de todos e para todos, é uma ação de cunho político, cultural, social e educacional com a finalidade de se concretizar o exercício pleno da cidadania.
            A política nacional de educação, na perspectiva inclusiva, abrange a educação infantil, o ensino fundamental, o ensino médio e, também, o ensino superior. Portanto, são políticas que devem alcançar todas as crianças e adolescentes com necessidades especiais em todo o país.
Os dados dos censos realizados nos mostram uma previsão de que esse número de matriculas aumentará a cada ano. Isso nos remete a investimentos na área de políticas públicas que melhor garantam o acesso e a permanência desse alunado nas escolas.
Para além dos números das matrículas
            Embora tenhamos certo avanço no acesso de crianças e adolescentes com necessidades especiais nas escolas da rede pública e privada, é fato, a existência de inúmeros entraves para que esse aluno permaneça na escola, com uma educação de qualidade na perspectiva da educação inclusiva.
A política de educação inclusiva, implementada pelo MEC, tem como foco a garantia do acesso de todos à escolarização, a implementação das condições de acessibilidade necessárias e o fortalecimento dos serviços da educação especial para atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos, visando reverter os quadros históricos de exclusão educacional. Para tanto, a acessibilidade é primordial à inclusão da pessoa com necessidades educacionais especiais, sendo esta sua definição:
Condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida. (BRASIL, Decreto Nº 5296 de 02/12/2004)
Ainda, visando à promoção da acessibilidade, a Constituição Federal (1988, art. 227) trata sobre a “... facilitação de acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos”.
Compreendendo que acessibilidade não se refere apenas às medidas relacionadas às barreiras arquitetônicas, como parte das políticas públicas, também, encontramos o Decreto Nº 5.626/05 que traz a regulamentação da Língua Brasileira de Sinais (Libras) para a inclusão sócio-educacional da pessoa com deficiência auditiva e a Portaria Nº 1.010/06 que institui o uso do Soroban, como recurso educativo específico imprescindível de apoio ao aluno com deficiência visual. E ainda, a Lei nº 11.126 (2005) que dispõe sobre o direito da pessoa com deficiência visual de “ingressar e permanecer em ambientes de uso coletivo acompanhado de cão-guia”.
Entre conquistas e avanços para a inclusão sócio-educacional da criança e do adolescente com necessidades especiais, o Censo Escolar 2010 traz outros dados que, lamentavelmente, são assustadores se comparados à política nacional de educação na perspectiva inclusiva desse alunado. O MEC mostra que “apenas 12% das escolas estão adaptadas para alunos com deficiência, nos anos iniciais escolares, e apenas 30% estão adaptadas para alunos com deficiência nos anos finais e no ensino médio”. (LIVRO ACESSIVEL, 2010)
As escolas brasileiras também têm dificuldades para oferecer instalações adequadas a crianças com deficiência. Apesar do censo ter mostrado um crescimento nas matrículas em escolas regulares, chegando a 85% das crianças com deficiência, apenas 12,2 % delas, nos anos iniciais do ensino fundamental, têm instalações e vias adequadas para receber esses alunos. Nos anos finais e no ensino médio, a situação melhora um pouco. Mesmo assim, apenas 30% das escolas estão adaptadas. (LIVRO ACESSIVEL, 2010)
Importante recordarmos que o conceito de inclusão não se finaliza em, simplesmente, permitir o acesso desse aluno nas dependências das escolas da rede regular de ensino comum, mas, também, de garantir sua permanência nesse espaço com a igualdade de oportunidades e de acesso.
O espelho do cotidiano e o “faz de conta” do direito adquirido
Nesse contexto, encontramos senão a pior, uma das piores espécies de barreiras que ferem o direito à educação das crianças e adolescentes com necessidades especiais. A chamada “barreira atitudinal”. De acordo com Fávero (2004, p. 182):
É aquela que faz com que as pessoas com deficiência não sejam vistas como titulares dos mesmos direitos que qualquer pessoa. A que faz com que os programas de acessibilidade sejam destinados apenas a locais que outros consideram bons para quem tem deficiência. A barreira que determina que apenas alguns programas de rádio televisão, sítios eletrônicos estejam adaptados para pessoas com deficiência sensorial, esquecendo-se de que elas querem e têm direito de acesso a qualquer tipo de programação.
            Outro entendimento sobre as barreiras atitudinais apresenta-nos Sassaki (2006) provenientes das atitudes, muitas vezes, inconscientes e não intencionais das pessoas. Essas atitudes encontram-se carregadas de preconceitos e acabam sendo perpetuadas pela própria ação da escola, por meio dos professores. Como exemplo, podemos citar a rotulação desse aluno em razão de sua deficiência ou dificuldades de aprendizagem, adjetivação, rejeição, menosprezo, piedade, desconsideração da deficiência apresentada. E outras, como conceber o aluno como incapaz de aprender, supor que esse aluno atrapalhará o desenvolvimento dos demais colegas, comparar seu desenvolvimento com outro aluno sem aquela deficiência, classificá-lo a partir de sua singularidade (como lento, distraído, agressivo), segregá-lo em outros espaços ou deixá-lo “de lado” do restante da turma. Ter atitudes de cunho assistencialista e portar-se, indiferente quanto às necessidades de adequações metodológicas bem como do processo avaliativo.
            Essas barreiras atitudinais são difíceis de serem eliminadas, pois exigem um repensar, uma desconstrução do pensamento embebido de preconceitos inerentes à nossa sociedade que visa à beleza e o produtivismo. Segundo Sassaki, a eliminação dessa barreira só se dará
Por meio de programas e práticas de sensibilização e de conscientização das pessoas em geral e da convivência na diversidade humana resultando em quebra de preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminações. (2005, p. 23)
           
            Um dos instrumentos contemporâneos que tem confluído para as barreiras atitudinais é a supervalorização do diagnóstico clínico, fato já criticado por Vigotsky (1995) na década de 20. Os critérios diagnósticos enfatizam o déficit e a doença e quando os sintomas se sobrepõem ao ser humano, eles se materializam na pessoa, num processo de rotulação, estigma e coisificação que se fundem como resultado da deficiência, como iatrogênese. Um exemplo bem simples disso é quando encontramos pessoas, entre elas, professores que se referem a determinados alunos como “aquele é o TDAH, não pára!”, “este aqui é o autista, não interage!”, “aquele ainda não tem diagnóstico fechado, mas deve ser deficiente intelectual”. Ou seja, os sintomas já classificados pelos critérios diagnósticos se sobrepõem de tal maneira à criança que esta perde sua identidade e passa a ser tratada como “coisa”, materializando desta forma a deficiência.
            Encontramos escolas que não matriculam determinadas crianças que apresentam determinado quadro sintomático enquanto os pais não levam o “diagnóstico fechado”, prescrito pelo médico. E, após os pais percorrerem os consultórios médicos, atrás daquele pedaço de papel que rotula e estigmatiza seu filho, a escola ainda se justifica que não está preparada para trabalhar com essa criança. Segundo Tunes (2005, 4) “do ponto de vista pedagógico, para a vida escolar [...] o diagnóstico é absolutamente inútil. Todavia, o diagnóstico tem uma consequência. Ele instaura as condições de possibilidade para o preconceito”.
            Fatos como estes implicam no impedimento da criança e do adolescente usufruírem de seu direito fundamental à educação e isso mostra que apesar das políticas públicas para a educação, na perspectiva inclusiva terem avançado, o espelho do cotidiano reflete que o direito à igualdade e oportunidade de receber uma educação de qualidade sem distinção, ainda caminha a passos lentos e que, muitas vezes, as autoridades brincam de “faz de conta” sem tomar as devidas providências cabíveis.
            Nesse sentido, é preciso compreendermos que são necessárias profundas mudanças na forma de pensar e agir da sociedade e, em específico, da comunidade escolar. O aluno não deve ser concebido como um “portador de deficiência” ou como um incapaz de aprender, tampouco como alguém que aprenderá melhor se estiver segregado em instituições especializadas.
            De acordo com os estudos de Vigotsky (1995) é nas relações sociais com o “outro” que a criança aprenderá e se desenvolverá, é no ambiente onde as relações sociais são privilegiadas. E ainda, a criança e o adolescente com necessidades especiais devem receber o mesmo conteúdo que as demais, com as adequações necessárias para a superação de suas limitações. E ainda,
O ensino é inclusivo não por aceitar crianças com limitações, mas por criar um espaço subjetivo e social que permita que crianças diferentes se encontrem e sejam capazes de compartilhar suas atividades (GONZÁLEZ REY, 2011, p. 60).
           
            Em outras palavras, é preciso entender que a criança ou o adolescente com necessidades especiais ou com dificuldades de aprendizagem são constituídas, além de fatores biológicos, também por suas experiências e vivências históricas e culturais relacionadas à afetividade, pelas relações sociais junto à família e fora dela, pelas histórias construídas, desde seu primeiro dia na escola. A deficiência ou dificuldade em si, é tão somente algo a mais que a constitui. Esse entendimento demanda profundas reflexões e discussões que favoreçam a mudança interior em cada um de nós.
            Portanto, a educação inclusiva exige muito mais do que documentos legais impostos. Ela necessita de uma mudança de pensamento, de concepção, principalmente, pelos professores e pela família deste educando. Para que não continue a existir uma pseudo inclusão que, na verdade é marginal, inviável e cruel (Amaral, 1995) é preciso que mudemos nossa forma de pensar, por conseguinte, de agir. A criança e o adolescente com necessidades especiais devem ser concebidos como sujeitos ativos em sua própria história e que, apesar de suas limitações inerentes à deficiência, são seres sociais. Logo, esse educando é um sujeito com possibilidades de aprendizagem. E essas possibilidades de aprendizagem são muito maiores que suas limitações.
Valores humanos numa relação de dialética social: um desafio
            Percebe-se que tanto o movimento da exclusão como o da inclusão de crianças e adolescentes com necessidades especiais na educação escolar brasileira, por estarem num movimento histórico e social de contemporaneidade, acabam-se complementando e não se opondo entre si. Como é colocado por Santana (2006), em ambos os movimentos, há a dimensão do pensar, planejar e atuar, isso mais aproxima esses conceitos do que os separa.
            A ideia que move esses dois movimentos é sempre a da discriminação e do preconceito social, estes por si só, não conseguem sustentar a ideia de uma educação que inclua as diferenças de pessoas dotadas de direitos legais. Direitos esses, distante da prática social, dentro das instituições escolares que, nesse século XXI, entendem ser preeminente buscar outras categorias de análises da exclusão para se criar o movimento efetivo da inclusão escolar.
            A história da educação brasileira corrobora no entendimento da análise dessa sociedade que cria leis, declarações, discursos, mas que, na prática, também, cria barreiras para a não efetivação dos mesmos. Promover educação a um cidadão que, na sua dimensão social, é dotado de direitos legais, amparados por políticas públicas muito mais assistencialistas do que de direito à liberdade e autonomia do cidadão, também é forma excludente em suas práticas.
            O suporte teórico escolhido, nessa opção de análise da temática, que foge do preconceito e da discriminação, como única forma de se abordar o assunto, forja em Bobbio (1997) que busca no seu estudo sobre o igualitarismo, a possibilidade de afirmar que preconceito e discriminação são situações criadas pela sociedade para ofuscar a possibilidade de direitos socialmente construídos. Sejam estes em forma de lei ou das próprias políticas públicas para educação escolar.
            Se há o entendimento da práxis humana de que sua realidade constrói-se no universo e no seio da sociedade, com isso se efetiva nessa sociologia, a compreensão das relações estabelecidas entre o que o cidadão cria como direitos legais e a sua prática cotidiana no seio das instituições que a compõem. Sejam estas democráticas ou não.
            Arendt (2004) traz, nesse sentido, a contribuição de que as relações humanas se complementam dentro do universo social, no contexto vivido pelos homens de acordo com seu tempo.  Assim, podemos refletir que se as pessoas com necessidades especiais, em pleno século XXI, estão forjando-se como seres humanos dotados apenas de direitos legais, acabam por reafirmar a dimensão do discurso de exclusão e de preconceito. Ou, se ambas as situações possuem um movimento natural de existir no seio da sociedade que, a cada momento vivido, transcende de significados e significações.
            Por essa terminologia, significados e significações entende-se como a ideia que, cada pessoa faz do seu momento vivido, no tempo e espaço carregado de construções sociais humanas, forjadas com o intuito de promover a satisfação do cidadão.  Essa ideia fundamenta-se em construções simbólicas e epistemológicas que acabam por si motivarem, ora o movimento de exclusão ou o movimento de inclusão social das diferenças.
            A tese de que a ideação precede a ação humana, sugere que a convivência humana calcada nos valores de exclusão, pode ser concebida de modo que discriminação e preconceito são duas ideias que se fundem, na constituição da ideação humana e que, mais que opostas, complementam-se na ação em si. Essa reflexão deve ser considerada quando se discute convivência humana com as diversas diferenças postas.
            Essa relação dialética, entre a ideação e a ação humana vale para aqueles que se silenciam diante de fatos discriminatórios, para aqueles que planejam discriminar e para os que sofrem a discriminação. Portanto, em toda dimensão da convivência humana, o conhecimento dessa dialética pode desencadear reflexões pessoais e coletivas que contribuem para a transformação da ação e, dentro de um processo social, desenvolver valores humanos que contraponham aos da exclusão.
            O que acontece com as crianças e adolescentes com necessidades especiais é que suas diferenças são notórias na simples convivência social. São percebidos como “diferentes”, instantaneamente. Isso acaba por dificultar, tanto para a sociedade, como para as próprias pessoas com deficiência de perceberem as singularidades dessa relação o que afeta a convivência entre as diferenças postas nos seres humanos diferentes.
            A conscientização dessas diferenças necessita de um processo educativo, em um tempo histórico e significativo que possa dar conta dessa atitude desencadeadora de mudanças de concepções, contribuindo, assim, com uma nova construção social, uma nova cotidianidade entre seres humanos que se conhecem e se respeitam. Como coloca Arendt (2004) a sociedade humana é condicionada, isso quer dizer que tudo que rodeia, socialmente, os homens torna-se condição de sua própria existência.
            Tal como Freire (1999) aborda, a socialização das diferenças não acontece, automaticamente. Isso nega a ideia de que inclusão acontece, naturalmente. Mecanicamente, nega por completo a integração. O que sempre assistimos, nas instituições brasileiras, é o movimento de integração acontecendo de forma a não satisfazer a diminuição do preconceito e da exclusão no seio delas próprias.
            A socialização, nessa visão freiriana, é que promove a formação da identidade pessoal, pois se entende que, no momento em que o cidadão cumpre um papel social dentro de uma cultura, ele não apenas se faz uma imagem para o outro, mas conhece a si mesmo - quem é e o que é capaz de colaborar para vida em sociedade. Esse meio social favorece valores pessoais dos mais distintos que corroboram para reafirmação da identidade pessoal de cada cidadão envolvido.
Conclusão
            Em uma sociedade, que se diz democrática de direito, pode-se afirmar que, o conjunto de leis aqui apresentadas, é um modo de contribuir para diminuição da desigualdade e da inserção das diferenças na prática social, visto que eleger a ideação são formas de materialidade dos atos, das ideações.
            As crianças e adolescentes com necessidades especiais sofrem, de toda a natureza possível e imaginável, com atos de preconceitos. A Lei existe e dá aparato para que práticas inclusivistas se firmem no seio das instituições para que historicamente se construa uma consciência coletiva desse valor da inclusão.
            Através de olhares, elogios, silêncio, indiferença, entre outras formas de expressão, nessas circunstâncias, há sentido dizer sobre a possibilidade de conscientização dessas pessoas concebidas como “diferentes”, de buscar outros significados no processo de interação e socialização com o outro, pois tanto a consciência como a legislação se complementam. Mudadas as estruturas sociais, mas a consciência permanecer a mesma, nada se transforma, mas se transformadas as consciências, com certeza, mudam-se as estruturas sociais.
            Afirmamos, portanto, que a construção de uma relação social concreta passa pela construção desses sentidos legais e de consciência. Possibilidades ou impossibilidades da prática social se efetivar na relação com o outro depende, exclusivamente, da ética praticada pela sociedade no seu tempo vivido.  Reverter opiniões, conceitos e teses já incorporadas pelo cidadão, ao longo da história de sua cultura, exige dos cidadãos conhecimentos das bases legais e conscientização de quem é e o que poderão realizar pela constituição dos valores culturais, humanos, sociais de seu meio.
            Mas, como a vida cotidiana de qualquer cidadão se realiza sempre no espaço do aqui e agora, a relação social das crianças e adolescentes com necessidades especiais poderá ser construída a partir do conhecimento de si, dentro de sua realidade. Isso tanto pode contribuir para reafirmação das práticas existentes de exclusão ou mostrar a mudança, provocando o movimento das consciências em transformação, culminando em atos diferenciados daqueles já vistos, como o da exclusão social, do preconceito e da discriminação.
            Nesse sentido, percebe-se aqui a ideia de inclusão apresentada pelas leis citadas nesse artigo, desde a Constituição Federal de 1988 às outras, em forma de resoluções, decretos e portarias criadas no sentido de forçar o convencimento social da existência de uma nova época, de transformações em prol da inserção das diferenças no seio da sociedade, longe da realidade concreta de cada cidadão classificado como diferente e de toda sociedade consciente de suas diferenças.
            Processos de socialização se dão na realidade de seu tempo, se vivemos, ainda em pleno século XXI, a dialética da sociedade de direitos constitucionais adquiridos e de discursos em prol da igualdade social, por outro lado e como antítese a essa realidade, também estamos numa sociedade capitalista que prima pelo aumento do consumo e da concentração de renda que financia as desigualdades sociais. Portanto, o significado dado às diferenças materializadas pela exclusão, preconceito e discriminação não tem como ser ressignificado fora dessa realidade que lhe deu origem, pois estaria, assim, penalizado e não compreendido.
Referências
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Autoras: Sílvia Ester Orrú e Sônia A. Siquelli 


[1] As deficiências pautadas são nas áreas: visual, auditiva, física, intelectual, múltipla, condutas típicas e superdotação.
[3]  Fonte: MEC – disponível em http://portal.mec.gov.br
[4] Na educação infantil, esses atendimentos dizem respeito à área da saúde, tais como fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia dentre outros.