Introdução
A
reflexão a que se presta esse artigo é a de apresentar as condições sociais,
legais e humanas empreendidas no binômio: avanços e desafios nas políticas
públicas para crianças e adolescentes com necessidades especiais, com o intuito
de discutir a realidade da educação escolar no Brasil que vem atender, em
meados do século XXI, as necessidades de uma sociedade marcada pela
conscientização de sua diversidade cultural, econômica, social, racial, entre
outras. Trata-se, aqui, de identificar o
que realmente avançou na construção social brasileira que, ao longo de sua
história institucional, forjou valores humanos como o da exclusão a tudo e a
todos que são diferentes.
Nessa perspectiva, organizamos formas
diferentes de abordagem desse tema. Com a preocupação de delinearmos e
analisarmos o movimento que se dá entre a legislação brasileira que garante o
acesso, a permanência e a qualidade de educação a todas as pessoas e a
realidade da práxis pedagógica, no interior das instituições, na vivência
humana e pedagógica junto às pessoas com necessidades especiais. Entendendo-se,
aqui, que tanto o movimento de exclusão, como o de inclusão, é uma
característica humana constituída pela sociedade, em um tempo histórico
condicionado por valores sociais de cada época.
Censos
Escolares na Educação Básica: uma retrospectiva/um avanço
Para
quem é a escola? Por anos e anos, apenas crianças e adolescentes que mostravam
capacidade intelectual para resolver todas as questões elaboradas pela escola é
que conseguiam permanecer nela. Não é incomum, ouvirmos relatos de adultos e
idosos contarem que deixaram a escola por não conseguirem compreender o que o
professor ensinava. Não obstante,
perguntamos, por que a escola costuma ser tão difícil para quem apresenta
alguma deficiência ou dificuldade de aprendizagem?
O
direito à educação é um direito fundamental e não pode ser retirado de nenhuma
pessoa, inclusive, daquelas que apresentam qualquer tipo de limitação. Segundo
a Constituição Federal (1988, Art. 205), a educação deve ser promovida “visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para a cidadania”.
Quando
as escolas rejeitam esses alunos, muitas vezes, concebidos como inadequados
para as turmas existentes, a escola está condenando-o à segregação, à
marginalização, à involução do desenvolvimento que poderia ter se fosse aceito
com suas limitações, com vistas à superação de suas dificuldades.
O
acesso à educação é um dos maiores desafios das crianças com necessidades
especiais, mas, também, é o maior legado que um país pode deixar para todas as
crianças, sem distinção.
A
partir da Constituição Federal (1988, art. 208, IV) outras políticas públicas
foram surgindo para contemplar o direito à educação das crianças e adolescentes
com necessidades especiais. As leis e decretos a respeito formam uma alavanca
para o crescimento do número de matrículas nas escolas de todo o país.
Dados
do Censo Escolar de 2003 (MEC/INEP) registraram 500.375 alunos com necessidades
especiais
matriculados no Brasil. Já, o Censo Escolar 2006,
registrou uma evolução nas matrículas, de 337.326 em 1998 para 700.624 em 2006,
expressando um crescimento de 107%. No que se refere ao ingresso em classes
comuns do ensino regular, verifica-se um crescimento de 640%, passando de
43.923 alunos em 1998, para 325.316 em 2006.
Com relação à distribuição das matrículas por etapa de ensino
em 2006: 112.988 (16%) estão na educação infantil, 466.155 (66,5%) no ensino
fundamental, 14.150 (2%) no ensino médio, 58.420 (8,3%) na educação de jovens e
adultos, e 48.911 (6,3%) na educação profissional. No âmbito da educação
infantil, há uma concentração de matrículas nas escolas e classes especiais,
com o registro de 89.083 alunos, enquanto apenas 24.005 estão matriculados em
turmas comuns. (MEC/SEESP, 2007)
Os
resultados de 2008
revelam que em 34,3% das escolas brasileiras (68.530 estabelecimentos) estão
matriculados 695.696 alunos com deficiência que correspondem a apenas 1,3% da
matrícula total da Educação Básica.
Desse total, 319.924
matrículas são ofertadas em 6.702 estabelecimentos, exclusivamente
especializados, e em classes especiais de escolas de ensino regular e da
educação de jovens e adultos. Outros 375.772 alunos estão matriculados em
classes comuns do ensino regular e da Educação de Jovens e Adultos de 61.828
escolas brasileiras. Este último dado mostra que o atendimento caracterizado
pela inclusão escolar (o que é oferecido em classes comuns) vem apresentando
expressivo crescimento nas escolas brasileiras, uma vez que em 2007, 46,8% das
matrículas da educação especial encontrava-se nessas classes e, em 2008, essa
participação salta para 54,0 % dos alunos dessa modalidade de ensino. (INEP,
2009)
O
atendimento na Educação Especial oferecido em escolas que possuem classes
especiais e em escolas, exclusivamente, especializadas é feito com maior
participação das escolas privadas, perfazendo 205.475 (64,2%) das matrículas.
E
ainda, o Censo Escolar 2010
aponta que o Brasil tem 51,5 milhões de estudantes matriculados na educação
básica pública e privada – creche, pré-escola, ensino fundamental e médio,
educação profissional, especial e de jovens e adultos. Dos 51,5 milhões, 43,9
milhões estudam nas redes públicas (85,4%) e 7,5 milhões em escolas
particulares (14,6%).
Com
relação à Educação Infantil, esse número tem realmente crescido a partir da Lei
7.853/89 (art. 2º, inciso I, letra “a”) que garante às crianças com deficiência
o direito à “educação precoce”, o mais cedo possível, para o favorecimento de
seu desenvolvimento e inclusão social, além disso, a recusa de matrícula, em
qualquer etapa da educação básica, é prevista como crime. E ainda, às crianças
devem ser oferecidos atendimentos especializados
quando necessários, preferencialmente, na rede regular de ensino (LDBEN
9394/96, art. 4º, III).
Já,
no Ensino Fundamental, etapa da Educação Básica obrigatória para todas as
crianças (LDBEN 9394/96, art. 32, inciso I) não é permitido, de forma alguma, a
recusa ou mau atendimento da escola para que a família sinta-se coagida a
cancelar a matrícula do aluno. Ainda, de acordo com o Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8069, 1990, art. 55) “os pais ou responsáveis têm a obrigação
de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”. E mais,
segundo o Código Penal (art. 246) é crime “deixar, sem justa causa, de prover à
instrução primária de filho em idade escolar”.
Lamentavelmente,
temos a impressão de que o direito à educação nem sempre alcança muitas das
crianças e adolescentes, com deficiência. As autoridades ao saberem que há uma
criança em idade escolar sem frequentar o ensino fundamental, logo enviam ao
Conselho Tutelar para tomarem providências junto à família. Todavia, quando se
sabe que esta criança tem alguma deficiência, principalmente, se for
intelectual, então costumam “deixar passar”, subtraindo da mesma seu direito
fundamental à educação, tal como lhe é garantido pela Constituição Federal.
Importante
destacar que a Constituição Federal (1988, art. 208, § 2º), o Estatuto da
Criança e do Adolescente (1990, art. 54 § 2º), e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (1996, art. 5, § 4º) são congruentes em determinar que “o não
oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular,
importa responsabilidade da autoridade competente”.
Nesse
sentido do cumprimento da Lei, no Brasil, em seu Plano Nacional de Educação
(2008) no que se refere à política para a educação especial, estabelece que a
prioridade deve ser a educação inclusiva, valorizando as diferenças e
procurando atender às necessidades educacionais especiais de cada aluno, numa
perspectiva inclusiva e de integração.
De
acordo com o Censo 2010 houve “um aumento de 10% no número de matrículas nessa
modalidade de ensino. Em 2009 havia 639.718 matrículas, e, em 2010, 702.603”.
(MEC, 2010)
Quanto ao número de
alunos incluídos em classes comuns do ensino regular e em EJA, o aumento foi de
25%. Nas classes especiais e nas escolas exclusivas houve diminuição de 14% no
número de alunos, evidenciando o êxito da política de inclusão na educação
básica brasileira. (MEC, 2010)
Os dados mostram-nos que, em 2010,
houve efetivamente o crescimento das ações inclusivas escolares, pois 75,8% dos
alunos foram incluídos nas escolas públicas e 24,2% encontram-se nas escolas
privadas, ou seja, na rede regular de ensino, ao invés de estarem matriculados
em instituições especializadas, como antes acontecia.
O
movimento mundial, em prol de uma educação de todos e para todos, é uma ação de
cunho político, cultural, social e educacional com a finalidade de se
concretizar o exercício pleno da cidadania.
A
política nacional de educação, na perspectiva inclusiva, abrange a educação
infantil, o ensino fundamental, o ensino médio e, também, o ensino superior.
Portanto, são políticas que devem alcançar todas as crianças e adolescentes com
necessidades especiais em todo o país.
Os
dados dos censos realizados nos mostram uma previsão de que esse número de
matriculas aumentará a cada ano. Isso nos remete a investimentos na área de
políticas públicas que melhor garantam o acesso e a permanência desse alunado
nas escolas.
Para além dos números das matrículas
Embora
tenhamos certo avanço no acesso de crianças e adolescentes com necessidades
especiais nas escolas da rede pública e privada, é fato, a existência de
inúmeros entraves para que esse aluno permaneça na escola, com uma educação de
qualidade na perspectiva da educação inclusiva.
A política de
educação inclusiva, implementada pelo MEC, tem como foco a garantia do acesso
de todos à escolarização, a implementação das condições de acessibilidade
necessárias e o fortalecimento dos serviços da educação especial para
atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos, visando reverter
os quadros históricos de exclusão educacional. Para tanto, a acessibilidade é
primordial à inclusão da pessoa com necessidades educacionais especiais, sendo
esta sua definição:
Condição
para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços,
mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte
e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa
com deficiência ou com mobilidade reduzida. (BRASIL, Decreto Nº 5296 de 02/12/2004)
Ainda, visando à
promoção da acessibilidade, a Constituição Federal (1988, art. 227) trata sobre
a “... facilitação de acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de
preconceitos e obstáculos arquitetônicos”.
Compreendendo
que acessibilidade não se refere apenas às medidas relacionadas às barreiras
arquitetônicas, como parte das políticas públicas, também, encontramos o Decreto Nº 5.626/05 que traz a
regulamentação da Língua Brasileira de Sinais (Libras) para a inclusão
sócio-educacional da pessoa com deficiência auditiva e a Portaria Nº 1.010/06 que institui o uso do
Soroban, como recurso educativo específico imprescindível de apoio ao aluno com
deficiência visual. E ainda, a Lei nº 11.126 (2005) que dispõe sobre o direito
da pessoa com deficiência visual de “ingressar e permanecer em ambientes de uso
coletivo acompanhado de cão-guia”.
Entre
conquistas e avanços para a inclusão sócio-educacional da criança e do adolescente
com necessidades especiais, o Censo Escolar 2010 traz outros dados que,
lamentavelmente, são assustadores se comparados à política nacional de educação
na perspectiva inclusiva desse alunado. O MEC mostra que “apenas 12% das
escolas estão adaptadas para alunos com deficiência, nos anos iniciais
escolares, e apenas 30% estão adaptadas para alunos com deficiência nos anos
finais e no ensino médio”. (LIVRO ACESSIVEL, 2010)
As escolas brasileiras
também têm dificuldades para oferecer instalações adequadas a crianças com
deficiência. Apesar do censo ter mostrado um crescimento nas matrículas em
escolas regulares, chegando a 85% das crianças com deficiência, apenas 12,2 %
delas, nos anos iniciais do ensino fundamental, têm instalações e vias
adequadas para receber esses alunos. Nos anos finais e no ensino médio, a
situação melhora um pouco. Mesmo assim, apenas 30% das escolas estão adaptadas.
(LIVRO ACESSIVEL, 2010)
Importante
recordarmos que o conceito de inclusão não se finaliza em, simplesmente,
permitir o acesso desse aluno nas dependências das escolas da rede regular de
ensino comum, mas, também, de garantir sua permanência nesse espaço com a
igualdade de oportunidades e de acesso.
O espelho do cotidiano e o “faz de conta” do direito adquirido
Nesse
contexto, encontramos senão a pior, uma das piores espécies de barreiras que
ferem o direito à educação das crianças e adolescentes com necessidades
especiais. A chamada “barreira atitudinal”. De acordo com Fávero (2004, p.
182):
É aquela que faz com que
as pessoas com deficiência não sejam vistas como titulares dos mesmos direitos
que qualquer pessoa. A que faz com que os programas de acessibilidade sejam
destinados apenas a locais que outros consideram bons para quem tem
deficiência. A barreira que determina que apenas alguns programas de rádio
televisão, sítios eletrônicos estejam adaptados para pessoas com deficiência
sensorial, esquecendo-se de que elas querem e têm direito de acesso a qualquer
tipo de programação.
Outro
entendimento sobre as barreiras atitudinais apresenta-nos Sassaki (2006) provenientes
das atitudes, muitas vezes, inconscientes e não intencionais das pessoas. Essas
atitudes encontram-se carregadas de preconceitos e acabam sendo perpetuadas
pela própria ação da escola, por meio dos professores. Como exemplo, podemos
citar a rotulação desse aluno em razão de sua deficiência ou dificuldades de
aprendizagem, adjetivação, rejeição, menosprezo, piedade, desconsideração da
deficiência apresentada. E outras, como conceber o aluno como incapaz de
aprender, supor que esse aluno atrapalhará o desenvolvimento dos demais
colegas, comparar seu desenvolvimento com outro aluno sem aquela deficiência,
classificá-lo a partir de sua singularidade (como lento, distraído, agressivo),
segregá-lo em outros espaços ou deixá-lo “de lado” do restante da turma. Ter
atitudes de cunho assistencialista e portar-se, indiferente quanto às
necessidades de adequações metodológicas bem como do processo avaliativo.
Essas
barreiras atitudinais são difíceis de serem eliminadas, pois exigem um
repensar, uma desconstrução do pensamento embebido de preconceitos inerentes à
nossa sociedade que visa à beleza e o produtivismo. Segundo Sassaki, a
eliminação dessa barreira só se dará
Por
meio de programas e práticas de sensibilização e de conscientização das pessoas
em geral e da convivência na diversidade humana resultando em quebra de
preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminações. (2005, p. 23)
Um dos instrumentos contemporâneos
que tem confluído para as barreiras atitudinais é a supervalorização do
diagnóstico clínico, fato já criticado por Vigotsky (1995) na década de 20. Os
critérios diagnósticos enfatizam o déficit e a doença e quando os sintomas se
sobrepõem ao ser humano, eles se materializam na pessoa, num processo de
rotulação, estigma e coisificação que se fundem como resultado da deficiência,
como iatrogênese. Um exemplo bem simples disso é quando encontramos pessoas,
entre elas, professores que se referem a determinados alunos como “aquele é o
TDAH, não pára!”, “este aqui é o autista, não interage!”, “aquele ainda não tem
diagnóstico fechado, mas deve ser deficiente intelectual”. Ou seja, os sintomas
já classificados pelos critérios diagnósticos se sobrepõem de tal maneira à
criança que esta perde sua identidade e passa a ser tratada como “coisa”,
materializando desta forma a deficiência.
Encontramos escolas que não
matriculam determinadas crianças que apresentam determinado quadro sintomático
enquanto os pais não levam o “diagnóstico fechado”, prescrito pelo médico. E,
após os pais percorrerem os consultórios médicos, atrás daquele pedaço de papel
que rotula e estigmatiza seu filho, a escola ainda se justifica que não está
preparada para trabalhar com essa criança. Segundo Tunes (2005, 4) “do ponto de vista pedagógico, para
a vida escolar [...] o diagnóstico é absolutamente inútil. Todavia, o
diagnóstico tem uma consequência. Ele instaura as condições de possibilidade
para o preconceito”.
Fatos como estes implicam no
impedimento da criança e do adolescente usufruírem de seu direito fundamental à
educação e isso mostra que apesar das políticas públicas para a educação, na
perspectiva inclusiva terem avançado, o espelho do cotidiano reflete que o
direito à igualdade e oportunidade de receber uma educação de qualidade sem
distinção, ainda caminha a passos lentos e que, muitas vezes, as autoridades
brincam de “faz de conta” sem tomar as devidas providências cabíveis.
Nesse sentido, é preciso
compreendermos que são necessárias profundas mudanças na forma de pensar e agir
da sociedade e, em específico, da comunidade escolar. O aluno não deve ser
concebido como um “portador de deficiência” ou como um incapaz de aprender,
tampouco como alguém que aprenderá melhor se estiver segregado em instituições
especializadas.
De acordo com os estudos de Vigotsky
(1995) é nas relações sociais com o “outro” que a criança aprenderá e se
desenvolverá, é no ambiente onde as relações sociais são privilegiadas. E
ainda, a criança e o adolescente com necessidades especiais devem receber o
mesmo conteúdo que as demais, com as adequações necessárias para a superação de
suas limitações. E ainda,
O ensino é inclusivo não por
aceitar crianças com limitações, mas por criar um espaço subjetivo e social que
permita que crianças diferentes se encontrem e sejam capazes de compartilhar
suas atividades (GONZÁLEZ REY, 2011, p. 60).
Em outras palavras, é preciso
entender que a criança ou o adolescente com necessidades especiais ou com
dificuldades de aprendizagem são constituídas, além de fatores biológicos,
também por suas experiências e vivências históricas e culturais relacionadas à
afetividade, pelas relações sociais junto à família e fora dela, pelas
histórias construídas, desde seu primeiro dia na escola. A deficiência ou
dificuldade em si, é tão somente algo a mais que a constitui. Esse entendimento
demanda profundas reflexões e discussões que favoreçam a mudança interior em
cada um de nós.
Portanto, a educação inclusiva exige
muito mais do que documentos legais impostos. Ela necessita de uma mudança de
pensamento, de concepção, principalmente, pelos professores e pela família
deste educando. Para que não continue a existir uma pseudo inclusão que, na
verdade é marginal, inviável e cruel (Amaral, 1995) é preciso que mudemos nossa
forma de pensar, por conseguinte, de agir. A criança e o adolescente com
necessidades especiais devem ser concebidos como sujeitos ativos em sua própria
história e que, apesar de suas limitações inerentes à deficiência, são seres
sociais. Logo, esse educando é um sujeito com possibilidades de aprendizagem. E
essas possibilidades de aprendizagem são muito maiores que suas limitações.
Valores humanos numa relação de
dialética social: um desafio
Percebe-se que tanto o movimento da
exclusão como o da inclusão de crianças e adolescentes com necessidades
especiais na educação escolar brasileira, por estarem num movimento histórico e
social de contemporaneidade, acabam-se complementando e não se opondo entre si.
Como é colocado por Santana (2006), em ambos os movimentos, há a dimensão do
pensar, planejar e atuar, isso mais aproxima esses conceitos do que os separa.
A ideia que move esses dois
movimentos é sempre a da discriminação e do preconceito social, estes por si
só, não conseguem sustentar a ideia de uma educação que inclua as diferenças de
pessoas dotadas de direitos legais. Direitos esses, distante da prática social,
dentro das instituições escolares que, nesse século XXI, entendem ser
preeminente buscar outras categorias de análises da exclusão para se criar o
movimento efetivo da inclusão escolar.
A história da educação brasileira
corrobora no entendimento da análise dessa sociedade que cria leis,
declarações, discursos, mas que, na prática, também, cria barreiras para a não
efetivação dos mesmos. Promover educação a um cidadão que, na sua dimensão
social, é dotado de direitos legais, amparados por políticas públicas muito
mais assistencialistas do que de direito à liberdade e autonomia do cidadão,
também é forma excludente em suas práticas.
O suporte teórico escolhido, nessa
opção de análise da temática, que foge do preconceito e da discriminação, como
única forma de se abordar o assunto, forja em Bobbio (1997) que busca no seu
estudo sobre o igualitarismo, a possibilidade de afirmar que preconceito e
discriminação são situações criadas pela sociedade para ofuscar a possibilidade
de direitos socialmente construídos. Sejam estes em forma de lei ou das
próprias políticas públicas para educação escolar.
Se há o entendimento da práxis
humana de que sua realidade constrói-se no universo e no seio da sociedade, com
isso se efetiva nessa sociologia, a compreensão das relações estabelecidas
entre o que o cidadão cria como direitos legais e a sua prática cotidiana no
seio das instituições que a compõem. Sejam estas democráticas ou não.
Arendt (2004) traz, nesse sentido, a
contribuição de que as relações humanas se complementam dentro do universo
social, no contexto vivido pelos homens de acordo com seu tempo. Assim, podemos refletir que se as pessoas com
necessidades especiais, em pleno século XXI, estão forjando-se como seres
humanos dotados apenas de direitos legais, acabam por reafirmar a dimensão do
discurso de exclusão e de preconceito. Ou, se ambas as situações possuem um
movimento natural de existir no seio da sociedade que, a cada momento vivido,
transcende de significados e significações.
Por essa terminologia, significados
e significações entende-se como a ideia que, cada pessoa faz do seu momento
vivido, no tempo e espaço carregado de construções sociais humanas, forjadas
com o intuito de promover a satisfação do cidadão. Essa ideia fundamenta-se em construções
simbólicas e epistemológicas que acabam por si motivarem, ora o movimento de
exclusão ou o movimento de inclusão social das diferenças.
A tese de que a ideação precede a
ação humana, sugere que a convivência humana calcada nos valores de exclusão,
pode ser concebida de modo que discriminação e preconceito são duas ideias que
se fundem, na constituição da ideação humana e que, mais que opostas,
complementam-se na ação em si. Essa reflexão deve ser considerada quando se
discute convivência humana com as diversas diferenças postas.
Essa relação dialética, entre a
ideação e a ação humana vale para aqueles que se silenciam diante de fatos
discriminatórios, para aqueles que planejam discriminar e para os que sofrem a
discriminação. Portanto, em toda dimensão da convivência humana, o conhecimento
dessa dialética pode desencadear reflexões pessoais e coletivas que contribuem
para a transformação da ação e, dentro de um processo social, desenvolver
valores humanos que contraponham aos da exclusão.
O que acontece com as crianças e
adolescentes com necessidades especiais é que suas diferenças são notórias na
simples convivência social. São percebidos como “diferentes”, instantaneamente.
Isso acaba por dificultar, tanto para a sociedade, como para as próprias
pessoas com deficiência de perceberem as singularidades dessa relação o que
afeta a convivência entre as diferenças postas nos seres humanos diferentes.
A conscientização dessas diferenças
necessita de um processo educativo, em um tempo histórico e significativo que
possa dar conta dessa atitude desencadeadora de mudanças de concepções,
contribuindo, assim, com uma nova construção social, uma nova cotidianidade
entre seres humanos que se conhecem e se respeitam. Como coloca Arendt (2004) a
sociedade humana é condicionada, isso quer dizer que tudo que rodeia,
socialmente, os homens torna-se condição de sua própria existência.
Tal como Freire (1999) aborda, a
socialização das diferenças não acontece, automaticamente. Isso nega a ideia de
que inclusão acontece, naturalmente. Mecanicamente, nega por completo a
integração. O que sempre assistimos, nas instituições brasileiras, é o
movimento de integração acontecendo de forma a não satisfazer a diminuição do
preconceito e da exclusão no seio delas próprias.
A socialização, nessa visão
freiriana, é que promove a formação da identidade pessoal, pois se entende que,
no momento em que o cidadão cumpre um papel social dentro de uma cultura, ele
não apenas se faz uma imagem para o outro, mas conhece a si mesmo - quem é e o
que é capaz de colaborar para vida em sociedade. Esse meio social favorece
valores pessoais dos mais distintos que corroboram para reafirmação da
identidade pessoal de cada cidadão envolvido.
Conclusão
Em
uma sociedade, que se diz democrática de direito, pode-se afirmar que, o
conjunto de leis aqui apresentadas, é um modo de contribuir para diminuição da
desigualdade e da inserção das diferenças na prática social, visto que eleger a
ideação são formas de materialidade dos atos, das ideações.
As crianças e adolescentes com
necessidades especiais sofrem, de toda a natureza possível e imaginável, com
atos de preconceitos. A Lei existe e dá aparato para que práticas inclusivistas
se firmem no seio das instituições para que historicamente se construa uma
consciência coletiva desse valor da inclusão.
Através de olhares, elogios,
silêncio, indiferença, entre outras formas de expressão, nessas circunstâncias,
há sentido dizer sobre a possibilidade de conscientização dessas pessoas
concebidas como “diferentes”, de buscar outros significados no processo de
interação e socialização com o outro, pois tanto a consciência como a
legislação se complementam. Mudadas as estruturas sociais, mas a consciência
permanecer a mesma, nada se transforma, mas se transformadas as consciências,
com certeza, mudam-se as estruturas sociais.
Afirmamos, portanto, que a
construção de uma relação social concreta passa pela construção desses sentidos
legais e de consciência. Possibilidades ou impossibilidades da prática social
se efetivar na relação com o outro depende, exclusivamente, da ética praticada
pela sociedade no seu tempo vivido.
Reverter opiniões, conceitos e teses já incorporadas pelo cidadão, ao
longo da história de sua cultura, exige dos cidadãos conhecimentos das bases
legais e conscientização de quem é e o que poderão realizar pela constituição
dos valores culturais, humanos, sociais de seu meio.
Mas, como a vida cotidiana de qualquer
cidadão se realiza sempre no espaço do aqui e agora, a relação social das
crianças e adolescentes com necessidades especiais poderá ser construída a
partir do conhecimento de si, dentro de sua realidade. Isso tanto pode
contribuir para reafirmação das práticas existentes de exclusão ou mostrar a
mudança, provocando o movimento das consciências em transformação, culminando
em atos diferenciados daqueles já vistos, como o da exclusão social, do
preconceito e da discriminação.
Nesse
sentido, percebe-se aqui a ideia de inclusão apresentada pelas leis citadas
nesse artigo, desde a Constituição Federal de 1988 às outras, em forma de
resoluções, decretos e portarias criadas no sentido de forçar o convencimento
social da existência de uma nova época, de transformações em prol da inserção
das diferenças no seio da sociedade, longe da realidade concreta de cada
cidadão classificado como diferente e de toda sociedade consciente de suas
diferenças.
Processos de socialização se dão na
realidade de seu tempo, se vivemos, ainda em pleno século XXI, a dialética da
sociedade de direitos constitucionais adquiridos e de discursos em prol da
igualdade social, por outro lado e como antítese a essa realidade, também
estamos numa sociedade capitalista que prima pelo aumento do consumo e da
concentração de renda que financia as desigualdades sociais. Portanto, o
significado dado às diferenças materializadas pela exclusão, preconceito e
discriminação não tem como ser ressignificado fora dessa realidade que lhe deu
origem, pois estaria, assim, penalizado e não compreendido.
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Autoras: Sílvia Ester Orrú e Sônia A. Siquelli
As deficiências
pautadas são nas áreas: visual, auditiva, física, intelectual, múltipla,
condutas típicas e superdotação.